
O regime de jornada 12×36 sempre ocupou lugar peculiar no Direito do Trabalho brasileiro. Por um lado, atende necessidades organizacionais típicas de setores como saúde, vigilância, portaria e serviços contínuos. Por outro, exige funcionamento jurídico preciso, quase que cirúrgico, ou seja, qualquer descompasso entre a prática e a pactuação torna o regime frágil, e quando falamos de habitualidade de horas extras, ele simplesmente se desfaz.
O ponto é simples: a escala 12×36 não admite improvisos. Sua lógica só funciona quando o empregado trabalha 12 horas seguidas, seguidas de 36 horas de descanso. Nada mais. Nada menos.
I. A natureza jurídica do regime 12×36
O modelo ganhou contornos mais definidos com a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), ao incluir o art. 59-A da CLT, que autoriza a jornada por meio de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo.
A premissa é que essa espécie de jornada só é válida quando representa vantagem recíproca: o empregador organiza escalas e reduz custos operacionais; o trabalhador recebe descanso ampliado e previsível.
Mas essa equação depende de um elemento essencial: estabilidade na rotina de trabalho.
II. Por que a habitualidade de horas extras destrói a 12×36?
A jurisprudência do TST vem reafirmando um entendimento inequívoco: quando o empregado presta horas extras de forma habitual, ultrapassando o limite de 12 horas, o regime é descaracterizado.
E não é mera formalidade. A descaracterização é consequência lógica da quebra estrutural do regime. A 12×36 exige previsibilidade; horas extras constantes significam que a rotina não é mais 12×36, mas uma jornada comum travestida de regime especial.
A lógica é quase matemática:
a) Se o trabalhador é convocado frequentemente para ficar 13, 14, 15 horas;
b) Se cobre faltas, remanejamentos ou demandas extraordinárias com frequência;
c) Se a empresa opera com quadro insuficiente e o “jeitinho” vira hábito, então o descanso de 36 horas deixa de existir como regra. Ele se torna exceção. E quando isso acontece, o regime perde sua razão de ser.
O TST já afirmou, em reiteradas decisões recentes, que a habitualidade transforma o extraordinário em ordinário, rompendo o equilíbrio da jornada especial.
III - A principal consequência: a descaracterização da 12×36
Uma vez caracterizada a prestação habitual de horas extras acima da 12ª hora, o regime especial cai por terra. E quando ele cai, caem junto todas as suas prerrogativas.
O que isso, significa na prática:
a) Conversão para jornada ordinária: O contrato passa a ser interpretado como se o trabalhador estivesse submetido a uma jornada comum (8h diárias e 44h semanais).
b) Pagamento integral das horas excedentes: Todas as horas acima da oitava diária ou 44ª semanal devem ser pagas como horas extras, inclusive aquelas anteriormente contabilizadas dentro da 12×36. O que era “regular” na escala passa a ser “excedente” na regra ordinária.
c) Reflexos em cadeia: A reclassificação da jornada produz reflexos: repouso semanal remunerado; férias + 1/3; 13º salário; FGTS; aviso-prévio; adicional noturno e sua prorrogação e integração em verbas rescisórias. É um efeito dominó: quando o regime cai, o cálculo inteiro da vida laboral se reconfigura.
d) Potencial condenação por danos morais (casos específicos): Não são raras decisões reconhecendo dano moral quando a extrapolação habitual compromete saúde, convívio social e descanso fisiológico do trabalhador especialmente em escalas hospitalares e vigilância.
IV. A habitualidade não precisa ser diária — basta ser constante
Um ponto importante para as empresas: não é necessária sobrecarga diária para descaracterizar o regime.
A jurisprudência fala em habitualidade, não em frequência absoluta. Isto é:
a) Se a empresa, ao longo dos meses, convoca repetidamente para “ajustes de escala”, “cobertura de faltas” ou “picos de demanda”;
b) Se o empregado regularmente ultrapassa as 12 horas;
c) Se a prorrogação de jornada vira parte da dinâmica do setor, a descaracterização já se torna possível.
V. Como evitar a descaracterização: boas práticas empresariais
Para os empregadores especialmente hospitais, casas de repouso, vigilância, empresas de limpeza e condomínios a prevenção é um dever estratégico.
Algumas práticas sensatas incluem:
a) quadro de pessoal suficiente para cobrir folgas e faltas;
b) vedação expressa à prorrogação da 12ª hora;
c) criação de banco de reserva para emergências;
d) controle de ponto claro, auditado e inviolável;
e) treinamentos periódicos com supervisores;
f) manutenção de registros que comprovem a preservação do descanso de 36h.
VI. Conclusão: 12×36 não sobrevive ao improviso
A escala 12×36 é juridicamente válida, consolidada, útil e funcional. Mas ela não tolera desvio.
Quando o empregador transforma a exceção em regra e faz da prorrogação de jornada um hábito, o regime perde sua essência e a Justiça do Trabalho passa a enxergar o que realmente existe: uma jornada ordinária mascarada como especial.
A habitualidade de horas acima de 12 horas não é um mero detalhe técnico é o ponto de ruptura do regime.
Para empresas, isso significa risco financeiro significativo. Para empregados, significa garantia de recomposição integral de direitos.
Portanto, a escala 12×36 é uma arquitetura delicada: quando as horas extras viram regra, a estrutura inteira desmorona.